Peregrinações no Saara
Nelson Leirner
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Peregrinações no Saara
Como qualquer carioca sabe, o Saara é uma espécie de mercado persa encravado na rua da Alfândega, no cento do Rio de Janeiro, com bancas e barracas e lojinhas esparramadas pelas ruas adjacentes, um tumulto colorido, sonoro, abafado e aromático de gente vendendo e comprando de tudo. Há quem diga que é o maior shopping ao ar livre da América do Sul. Vai saber. Seja como for, era para lá que o Nelson Leirner, invariavelmente acompanhado da Liliana, sua companheira, se mandava para levar adiante sua eterna pesquisa sobre objetos. Alguns deles, bichinhos de plásticos, skates, mapas, stickers colantes, troféus, selos, pontes de madeira, postais, Brancas de Neve e Mickeys, eram protagonistas habituais de seus trabalhos. Outros protagonistas, como os santos de toda a ordem, a fonte era a Casa das Velas, em São Paulo, o grande entreposto para artigos ligados ao sobrenatural. Mas o melhor ainda estava por vir, pensava. Estava certo de encontrar e encontrava, ah se encontrava. Para tanto embarafustava-se ávido, atento, vigilante, pelas entranhas do comércio caótico, de onde algumas vezes voltava portando algo entre o esquisito e surpreendente, entre o cafona e o belo, em qualquer caso uma prova de que o mundo está repleto de surpresas, e que a essência mesma das surpresas são as pessoas que desejam e consomem os objetos mais extravagantes. Afinal, como escreveu Roland Barthes, os objetos são a assinatura do homem no mundo. Os objetos são as pessoas e vice-versa.
Ninguém na arte brasileira pensou a fundo o problema do objeto como Nelson Leirner, suas implicações afetivas, simbólicas, materiais e sociais. Os objetos varrem todas as dimensões possíveis da existência humana e Nelson, como demonstram os diversos conjuntos reunidos nessa exposição, ocupou-se de várias delas. Fez isso com sua visada crítica e cáustica, pensou das crianças perversa e cinicamente sexualizadas por Anne Geddes à guerra; da História da arte, com seus colegas as voltas com suas naturezas-mortas, incursões pela abstração, a vocação transgressiva frequentemente anulada pelo desejo de comércio, aos esportes, que ele tanto amava, porque, como explicava, tudo é um jogo.
Reduzida as duas últimas décadas de sua produção, essa mostra não cobre sequer o muito que ele fez nesse período. Mas esclarece sobre o sentido da poética desse grande artista, sua peregrinação incansável sobre as coisas, ou seja, sobre nossas relações com elas. Ele explicitava essas relações não apenas em suas obras mas trazendo pendurada no pescoço os indefectíveis colares feitos no começo de cada ano, colares repletos de amuletos, ecumênicos, que ele vestia o tempo todo, sinal de seu compromisso e reverência para com os objetos.
Agnaldo Farias
Informações práticas
Inauguração
25 de março de 2022
Período da exposição
25 de março de 2022 a
30 de abril de 2022,
Segunda à sexta: 10-19h
Sábados: 12-16h
Fechado aos domingos.