Exposição

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A nova revolução industrial

Nelson Leirner

A Nova Revolução Industrial, 2018
A Nova Revolução Industrial,
vista da exposição
A Nova Revolução Industrial, 2018
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A Nova Revolução Industrial, 2018
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A Nova Revolução Industrial, 2018
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A Nova Revolução Industrial, 2018
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Mas o grande homenageado desta exposição é Alighiero Boetti e seus Maps of the World.
Não é raro ver nas obras de Nelson Leirner uma citação a outros trabalhos. Citação vira nesse caso uma espécie de homenagem, uma espécie de conversa com outros artistas. Leirner sempre afirmou possuir “uma família íntima na história da arte”, e Boetti faz parte desse círculo selecionado.
Mas vamos aos mapas. Mapas são representações gráficas e visuais que costumam ser definidos como documentos precisos e objetivos. Afinal, a partir deles se delimitam fronteiras que separam continentes, países, estados, oceanos e mares. No entanto, não raro, eles reproduzem as indefinições que fazem parte de nossas próprias formas de conhecimento. Nos mapas do século XVI, o Brasil aparecia retratado a partir da linha do seu extenso litoral, mas não se tinha noção do que havia em seu interior. Por isso, a saída foi inventar e projetar: colocar indígenas bárbaros lutando e comendo seus inimigos, dispor belas sereias nos mares ou terríveis dragões prestes a devorar qualquer embarcação tripulada por incautos. Mapas do século XIV incluíam nas laterais representações dos vários povos espalhados pelo mundo. Enquanto a Europa aparecia sempre de forma “civilizada”, o Oriente era mostrado a partir de seus costumes, considerados exóticos, e a África definida pela “barbárie”.
Enfim, mais do que documentos acima de qualquer suspeita, mapas carregam muitas dimensões ideológicas. Basta lembrar que, se a Terra é redonda, não existiria motivo para a Europa e os Estados Unidos estarem sempre acima nos mapas do mundo, e o Brasil e a África logo abaixo. Essas são convenções visuais que carregam todo tipo de preconceito.
Motivado por esse tipo de crítica, Boetti comissionou artesãos de origem afegã para fazerem grandes mapas bordados. Neles, tudo parece natural, e nada é. Em primeiro lugar, pois os mapas são feitos de trama bordada e não de papel. O material já causa, portanto, um certo estranhamento. Em segundo lugar, pois existem supressões e inclusões nesses trabalhos. Países aparecem e desaparecem; bandeiras nacionais definem a coloração dos mapas; e o estado de Israel não consta propositadamente de um dos trabalhos já que o governo do Afeganistão não reconhece sua existência. Com tantos ruídos, os mapas do artista italiano desenham um retrato inseguro da Terra.
Boetti fez no total 150 mapas, com formas e cores diferentes (ele, por exemplo, fez um oceano rosa, pois era a cor de novelo que mais sobrava). O conjunto acaba por representar não só todo o globo, como um perfil contundente dos jogos políticos internacionais. Os mapas de Boetti também significam uma crítica às desigualdades econômicas e sociais; à configuração global e à produção em massa resultantes das Revoluções Industriais e do consequente avanço do capitalismo.

Já Nelson Leirner, que à sua maneira persegue esses mesmos temas, e há muito tempo, fez de seus mapas uma homenagem ao artista italiano. Os mapas de Leirner aguçam, porém, críticas e ironias presentes nos trabalhos de Boetti. Por vezes, eles passam a impressão, proposital, de estarem inconclusos, com seus fios de lã expostos em uma das extremidades. Por vezes, Nelson aviva a comparação fazendo do mapa um quebra-cabeça; por vezes, destaca a própria situação brasileira.
Além do mais, no caso desta exposição – composta de nove tapeçarias criadas especialmente para a mostra e concluídas entre o final de 2017 e o começo de 2018 –, o bordado e a tapeçaria invadem não apenas outras técnicas e gêneros, como misturam linguagens: mapas, partituras, pinturas, notações musicais. Tudo fica com jeito e ar de mimese e duplo.
Há uma crítica guardada no suporte dessas obras. Como se Nelson Leirner, que em sua longa carreira experimentou vários materiais, agora negasse o produto industrial feito para ser multiplicado, e se voltasse para as peças únicas e unificadas pelo dialeto do artesanato. Por isso, as cores são vivas, os temas fortes, os suportes feitos com bordados.
Para dar conta do argumento que organiza a exposição, dispôs-se um expositor onde são apresentadas fotos dos artesãos trabalhando, os novelos de lã utilizados, as tramas e as agulhas. A ideia é mostrar arte como processo; processo artesanal.
A nova Revolução Industrial não significa, pois, um recuo saudosista. É antes um avanço, um conselho, um ato de revolta contra a naturalização em que vivemos e a aceleração do trabalho, que vem roubando nosso espaço livre até então dedicado ao “não fazer” e ao lazer.
Parar e ver as tapeçarias de Nelson Leirner representa imaginar e compartilhar de um outro tempo (bem) gasto; pensar no significado simbólico do trabalho manual, e aceitar o convite para refletir criticamente sobre os nossos regimes de temporalidade. Perder tempo, nesse caso, é ganhar.

Lilia Moritz Schwarcz

Informações práticas

Inauguração

17 de março de 2018

Período da exposição

17 de março de 2018 a
21 de abril de 2018,
Segunda à sexta: 10-19h
Sábados: 12-16h
Fechado aos domingos.

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