Canção enigmática: Relações entre arte e som nas coleções MAM Rio Exibição de filmes que possuem o som como elemento significativo em suas narrativas.
Cinemateca 16 fev 2020
18h15
“Abalo”, de Chiara Banfi, 2019, 30′
+ “Blight”, de John Smith, 1966, 16′ + “A Construção do som”, de José Carlos Asbeg, 1980, 28′ + Fiorucci Made Me Hardcore”, de Mark Leckey, 1999, 15′
É notório pensar hoje em dia que 4’33” não é simplesmente uma “peça silenciosa”, mas, sim, uma obra cujo objetivo é a escuta do mundo. Em outras palavras, o trabalho mais famoso de John Cage, ao emoldurar sons ambientes e não intencionais, revela-nos através de uma escuta profunda que a música está em todos os lugares; que todos os sons são música. Partindo de Cage, os sons que ecoam pelo MAM Rio são música. Uma canção enigmática formada por todos os sons ao redor combinados, dentre outros, com batidas do coração, berimbaus high tech, gadgets eletrônicos, sons artificiais, bandas fora de ritmo, orquestras tocando músicas diferentes ao mesmo tempo, o som da chuva e uma ordem em italiano para se fazer um café. “Canção enigmática: relações entre arte e som nas coleções MAM Rio” apresenta 40 obras de 28 artistas. As pinturas, fotografias, desenhos, vídeo, objetos sonoros, instrumentos musicais, partituras gráficas, esculturas, instalações e discos de artista presentes na coleção do Museu nos mostram basicamente cenas musicais tiradas do cotidiano, como nas pinturas modernistas de Di Cavalcanti e Djanira, manifestações folclóricas nas quais a música possui caráter essencial, como nas fotografias de Bárbara Wagner inspiradas no maracatu, rituais religiosos afro-brasileiros tal qual em Pierre Verger e no candomblé, e associações diretas com gêneros musicais, como nos retratos de Daniela Dacorso em bailes funk, na influência do samba nos Parangolés de Hélio Oiticica e nas fotografias de Carlos Vergara no desfile do Cacique de Ramos, ou em ícones do porte de Tom Jobim (Cabelo e Márcia X) e Beethoven (Waltercio Caldas). Trabalhos realizados durante a ditadura militar no Brasil, como os de Cláudio Tozzi e Waltercio Caldas, gritam contra a situação opressiva que se instalava naquele momento no país e, infelizmente, soam mais atuais do que nunca. Há ainda um destaque especial para as chamadas partituras gráficas, trabalhos com origem no contexto da música e apreciados por artistas visuais em função de sua característica libertária que vai além da notação musical convencional. Paulo Garcez, Carlos Scliar, Chiara Banfi e, de certa forma, José Damasceno possuem trabalhos nesse contexto. “Canção enigmática” procura inserir o MAM Rio na chamada “virada sônica” (sonic turn), termo cunhado para designar a mudança gradual de foco do visual para o auditivo que vem ocorrendo nas práticas artísticas e nos estudos acadêmicos nos últimos anos — graças a implementos tecnológicos e também pela busca em estabelecer novos parâmetros artísticos, o som passou a ser reconhecido e exibido como uma forma de arte em si mesmo. Ainda que não seja uma mostra exclusiva de arte sonora — prática surgida na obscura zona entre música composta, instalação, performance e arte conceitual, e que tem o áudio como componente principal ou que silenciosamente reflete sobre o som —, abraça todo o acervo dessa disciplina artística no Museu, reunindo trabalhos de Chelpa Ferro, Cildo Meireles, Cinthia Marcelle, Manata Laudares, Marcius Galan, Paulo Nenflidio, Paulo Vivacqua e Siri. Além da exposição nas salas do MAM Rio, “Canção enigmática” ganha um desdobramento fora do “cubo branco” na forma de uma série de ações performáticas que, de alguma forma, buscam se relacionar com procedimentos da música experimental, da arte sonora e de outras linguagens, como as artes visuais, a dança e performance. Durante seis domingos, essa programação complementar reafirma a ideia da ocupação do espaço público como ato estético e político, questão presente nos encontros realizados por Frederico Morais no início dos anos 70, quando a área externa do MAM Rio e o Aterro do Flamengo foram incorporados como extensão natural do Museu.